The New York Times
Isabel
Kershner
Em Jerusalém
Em Jerusalém
13/04/201506h00
* * * Extraido do Portal UOL * * *
Ossário com a
inscrição "Judá, filho de Jesus", encontrado no túmulo de Talpiot
Aclamada por alguns como
a mais significativa de todas as relíquias cristãs, mas negada por céticos em
meio a acusações de falsificação, interpretação errônea e especulação
precipitada, dois artefatos antigos encontrados em Jerusalém desencadearam um
debate arqueológico e teológico acirrado nas últimas décadas.
No
centro da discussão está uma série de inscrições que levaram alguns a sugerir
que Jesus de Nazaré era casado e teve um filho, e que a Ressurreição jamais
poderia ter acontecido.
Agora,
a terra pode ter revelado novos segredos sobre essas antiguidades controversas.
Um geólogo de Jerusalém acredita que estabeleceu uma relação entre elas que
reforça o argumento de sua autenticidade e importância.
O
primeiro artefato é um ossário, ou uma caixa para enterrar ossos, que traz a
inscrição em aramaico "Tiago, filho de José, irmão de Jesus", que o
colecionador de Israel que é seu proprietário diz ter comprado de um negociante
de antiguidades em Jerusalém Oriental na década de 70. Mais de uma década
atrás, a Autoridade de Antiguidades do governo de Israel declarou que a parte
da inscrição que dizia "irmão de Jesus" era uma falsificação e entrou
com acusações contra o colecionador; um tribunal de Jerusalém decidiu em 2012
que o Estado não tinha conseguido provar seu caso.
O
segundo artefato é um túmulo descoberto em um canteiro de obras no bairro de
Talpiot, em Jerusalém Oriental, em 1980, que foi alçado à fama por um
documentário de 2007, "The Lost Tomb of Jesus" ["O Túmulo
Perdido de Jesus"]. O filme foi produzido por James Cameron
("Titanic") e roteirizado por Simcha Jacobovici, um cineasta nascido
em Israel e que vive em Toronto. Ele foi exibido pela primeira vez no Discovery
Channel em 2007.
A
câmara funerária, que depois ficou conhecida como túmulo de Talpiot, continha
dez ossários, alguns com inscrições que foram interpretadas como "Jesus,
filho de José", "Maria" e outros nomes associados a figuras do
Novo Testamento. O grupo de nomes levou Jacobovici e seus defensores a
argumentarem que este talvez fosse o túmulo da família de Jesus de Nazaré, uma
afirmação sensacional rejeitada pela maioria dos arqueólogos e especialistas,
que disseram que esses nomes eram muito comuns naquela época.
Críticos
como Amos Kloner, arqueólogo do distrito de Jerusalém na época, acusaram
Jacobovici de tirar conclusões precipitadas para promover seu filme. Jacobovici
e seus defensores dizem que se pudesse ser provado que o ossário conhecido como
de Tiago, cuja proveniência não é clara, veio do túmulo de Talpiot, os nomes
inscritos nele, acrescentados ao grupo de nomes encontrados no túmulo,
aumentariam as chances de o túmulo pertencer à família de Jesus de Nazaré.
Aí
entra o geólogo Aryeh Shimron. Ele está convencido de que fez essa ligação, ao
identificar uma combinação geoquímica bem definida entre elementos específicos
encontrados em amostras coletadas no interior dos ossários do túmulo de Talpiot
e do ossário de Tiago.
Quando
os ossários de Talpiot foram descobertos, eles estavam cobertos por uma camada
espessa de um tipo de solo, o rendzina, que é característico das colinas de
Jerusalém Oriental e foi capaz de impor uma assinatura geoquímica única sobre
os ossários enterrados sob ele.
"Acho
que tenho provas realmente fortes e praticamente inequívocas de que o ossário
de Tiago passou a maior parte de sua vida, ou de sua morte, no túmulo de
Talpiot", disse Shimron em uma entrevista no saguão do hotel King David
enquanto apresentava suas descobertas, ainda não publicadas, a um repórter pela
primeira vez.
Um
Indiana Jones improvável, Shimron, 79, nasceu na antiga Tchecoslováquia e é
especialista em gesso. Hoje aposentado como pesquisador sênior do Serviço
Geológico de Israel, um instituto governamental especializado em ciências da
terra, ele esteve envolvido com a geologia arqueológica nos últimos 20 anos.
Shimron
baseou sua pesquisa na teoria de que um terremoto que estremeceu Jerusalém no
ano 363 d.C. inundou o túmulo de Talpiot com toneladas de terra e lama,
deslocando a pedra de entrada e cobrindo os ossários de giz completamente, algo
pouco comum. "O solo criou uma espécie de vácuo", disse ele. "A
composição do túmulo foi simplesmente congelada no tempo."
Nos
últimos sete anos, Shimron vem estudando a química das amostras raspadas da
parte de baixo da crosta de giz dos ossários de Talpiot e, mais recentemente,
do ossário de Tiago. Ele também estudou amostras de solo e cascalho de dentro
dos ossários. Além disso, para fins de comparação, ele examinou amostras de
ossários de cerca de outros 15 túmulos.
Jacobovici,
que vem documentando a pesquisa para outro filme, disse que "a
produção" financiou o trabalho de laboratório.
A
Autoridade de Antiguidades de Israel forneceu acesso à maioria dos ossários e
retirou a maior parte das amostras sob a direção de Shimron. Uma porta-voz da
autoridade disse que a entidade forneceu alguma consultoria técnica para o
filme de Jacobovici, mas que não o manteve atualizado sobre a pesquisa.
Shimron
estava em busca de quantidades incomuns de elementos derivados do solo
rendzina, como silício, alumínio, magnésio, potássio e ferro, bem como
elementos de rastreamento específicos, entre eles fósforo, cromo e níquel –
componentes característicos do tipo de solo argiloso de Jerusalém Oriental que,
segundo ele, encheu o túmulo de Talpiot durante o terremoto. Os resultados, diz
ele, colocam claramente o ossário de Tiago no mesmo grupo geoquímico que os
ossários do túmulo de Talpiot. "A prova vai além do que eu esperava",
disse ele.
Hoje,
o túmulo de Talpiot está lacrado, no subsolo, sob uma laje de concreto em um
pátio localizado entre prédios de apartamentos comuns na rua Dov Gruner, em
Talpiot Oriental, e seus ossários estão sob custódia da Autoridade de
Antiguidades de Israel. O ossário de Tiago foi devolvido a seu proprietário, o
colecionador Oded Golan, que mora em Tel Aviv e guarda a caixa em um local
secreto.
No
entanto, as descobertas de Shimron devem reacender as controvérsias do passado.
Existe
a ideia de que os restos mortais, que incluem matéria óssea, de Jesus de Nazaré
sugeririam que não pode ter havido uma ressurreição do corpo. Além disso,
especulações de que uma das caixas de ossos encontrada em Talpiot pode ter
pertencido a Maria Madalena, enquanto outro trazia a inscrição "Judá,
filho de Jesus", só aumentou a controvérsia das descobertas.
Embora
dez ossários tenham sido desenterrados em Talpiot, apenas nove permanecem lá.
Apesar de os arqueólogos dizerem que o décimo era uma caixa simples e quebrada
que foi jogada fora, isso, também, gerou perguntas e teorias da conspiração,
incluindo teorias de que o ossário de Tiago era o décimo e que desapareceu
misteriosamente de alguma forma.
O
colecionador Golan recentemente deu a Shimron acesso a seu ossário de Tiago
para realizar os testes, mas disse que era cético quanto aos resultados. Por um
lado, Golan disse em uma entrevista por telefone que comprou o ossário no
máximo em 1976, ao passo que o túmulo de Talpiot foi escavado em 1980. (Se
Golan tivesse comprado o ossário depois de 1978, ele poderia ter sido
reivindicado pelo estado de acordo com a lei de antiguidades de Israel.)
Mesmo
que a química esteja correta, o ossário de Tiago poderia ter vindo de outro
túmulo em Talpiot Oriental, disse Golan, acrescentando que uma pesquisa como
esta exigiria amostras de uma base de testes muito mais ampla.
"É
muito interessante, mas não é o suficiente para determinar nada de forma
conclusiva", disse Golan sobre o trabalho de Shimron. "Seriam
necessárias amostras de pelo menos 200 a 300 cavernas."
Shimon
Gibson estava entre os arqueólogos da Autoridade de Antiguidades que entraram
no túmulo de Talpiot logo que foi descoberto nos anos 80. Ele disse
recentemente que ficou claro que a entrada subterrânea para o túmulo tinha sido
aberta desde a antiguidade e que o túmulo tinha se enchido de terra
abruptamente como resultado de um único acontecimento rápido – possivelmente um
terremoto.
Gibson
e outros arqueólogos concluíram que ladrões de túmulos tinham provavelmente
estado lá durante o período bizantino. Mas descartou qualquer possibilidade de
que o ossário de Tiago tenha desaparecido quando o túmulo foi descoberto.
"Eu
mesmo escavei um punhado de túmulos que estavam abertos e cheios de
terra", disse Gibson. "Pessoalmente, acho que o ossário de James não
tem nada a ver com Talpiot."
Ainda
assim, diz Gibson, a comunidade acadêmica está aguardando ansiosamente a
publicação dos resultados do Shimron em uma revista científica para ser
revisada por pares.
Shimron,
enquanto isso, diz estar se preparando para uma tempestade de críticas inevitável,
inclusive por parte de pessoas que consideram abominável que um cientista, nas
palavras dele, fique "brincando com os ossos de Jesus e Maria".
Tradutora:
Eloise De Vylder
Tags: Cristianismo, Evangelho, Jesus Cristo, Ressurreição, Teologia