segunda-feira, 29 de março de 2010

Muito além da igreja


"Temos que vigiar, as portas estão se abrindo com muita facilidade"


Por


Sidnei Marcos F. Batista


* * * Matéria do Jornal da Tarde * * *



A música gospel ganha força e chama a atenção
de grandes gravadoras. A Sony já entrou no jogo


FERNANDA BRAMBILLA, fernanda.brambilla@grupoestado.com.br


No ano passado, a Festa do Peão de Barretos, o maior evento do gênero do País, teve uma atração insólita. Naquela noite, um dos palcos do evento (o da Esplanada, para 50 mil pessoas) foi espaço de um show do cantor evangélico André Valadão, aplaudido pela multidão. Fatos como esse têm causado impacto no mercado fonográfico. Eles mostram que a música gospel está ultrapassando as fronteiras da igreja. E a Sony, maior gravadora do Brasil, já percebeu esse movimento. Não por acaso, foi atrás do cantor Régis Danese (ex-pagodeiro do Só Pra Contrariar e agora convertido), pastores da famosa bispa Sônia Hernandes, do Renascer Praise, e até o quinteto de bispos roqueiros descolados do Resgate. Eles são os primeiros contratados do selo gospel da Sony Music, lançado recentemente.

Há 18 anos entre as gravadoras que regem a produção gospel, Carlos Knust acredita que a religião engrena numa fase promissora. "Já se foi o tempo em que lojas de departamento rejeitavam esses CDs. Ao longo da última década, essa barreira foi quebrada", diz. "O mercado secular sofre com pirataria e download ilegal, mas o gospel não, porque os pastores reprovam essa conduta", diz Knust, gerente comercial da MK Music.

Segundo ele, a crise que abalou o mercado fonográfico brasileiro em 2007 atraiu olhares de fora da igreja à fatia que se manteve sólida à base de pregação. "As gravadoras olharam a gente de um jeito diferente", diz o executivo. O grande pecado desse ministério são os números obscuros. As gravadoras evangélicas não fazem parte da Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), que fornece dados do mercado, o que torna seu sucesso no mínimo, questionável.

A Line Records (ligada à Igreja Universal do Reino de Deus), diz que o bombado hit Faz um Milagre em Mim levou Danese à casa de 1 milhão de álbuns vendidos. Curiosamente, os tops de 2009 exibem números mais humildes. Juntos, os dois álbuns mais vendidos, de Padre Fábio de Melo (Iluminar, da Som Livre) e da dupla Zezé Di Camargo & Luciano (Sony) vão pouco além das 500 mil cópias.

Mas é fora do âmbito musical que o universo pentecostal tem o argumento mais eloquente. Levantamento realizado no ano passado pelo Serviço de Evangelização para a América Latina (Sepal), organização de estudos teológicos, pinta um cenário surpreendente: daqui a dez anos, metade dos brasileiros será de evangélicos. O instituto se baseia na premissa de que a taxa de crescimento dessa religião continue a mesma dos últimos 40 anos. Hoje, essa porcentagem beira os 24%.

Esses números chegaram à Sony, que chamou Maurício Soares, executivo do mercado gospel, para comandar os novos negócios. "O setor gospel tem sua própria linguagem e funciona muito bem, ainda que na informalidade", diz Soares, que não revela dados, mas destaca as 3 mil lojas de CD no País. As livrarias evangélicas, ele explica, são como lojas de conveniência, e aliam a venda de CD a outros produtos. "Tem de Bíblia a DVD e camiseta. Estamos acompanhando isso há alguns anos e o público evangélico está crescendo".

Desafio maior ainda é lançar esses artistas na mídia, que torce o nariz para canções mais ortodoxas. "Não estamos contratando a igreja. A mensagem do artista é boa? Então vamos melhorar a embalagem." O projeto da gravadora envolve intercâmbios com as filiais latinas e já empolga os cantores evangélicos, como Danese. "Vou poder gravar um CD em espanhol", diz ele, que lançou este ano uma coletânea pela Som Livre. "Aquilo foi como ganhar um carro. Agora, entrei num avião."


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